domingo, 10 de maio de 2009

O diálogo


- Anjos, o que são?

- Anjos são mensageiros.

- Ah, tá bom. Onde podemos contratar um?

- Até onde sei nunca ouvi dizer que se contratam anjos...

- Ah, corta essa! É lógico que em algum lugar se pode contratar anjos!

- Pode procurar, será perda de tempo! Anjos não se contratam porque não estão à venda! Eles são inegociáveis...

- Engano seu! O que não é negócio nesta vida, heim?

- Ora, o amor!

- Tem certeza? Até o amor é "business"! Abra agora o MSN! Vai, abra!

- Pára de tolice! Pra que iria abrir o MSN?

- Vou te mostrar como se compra amor facim, facim...

- Não vou abrir coisa alguma! Vai pensando que amor se compra, vai...

- Cara, chega a ser ridícula essa tua ideia do mito do amor romântico!

- Ridícula por quê?

- Porque isso não existe. Acabou. C’est fini. Dá pra entender ou quer que eu desenhe?- Pra início de conversa, o amor jamais acaba...

- Voilá! São Paulo aos Coríntios!- Correto!

- São Paulo de hoje é uma outra história. Aliás, qualquer grande cidade!

- Você sabe muito bem que me refiro ao apóstolo! É “o”, e não “a” São Paulo.

- E você sabe que no fundo, no fundo, o amor existe porque a vida também é "business". Você me ama. Eu te amo. Não importa em que nível. É assim até que eu venha conhecer um melhor ‘produto’, você sabe... Nada é perfeito. As coisas são mais práticas nos nossos dias...- Você quer dizer mais ‘plásticas’.

- Que seja! [Cantando Titãs] "As flores de plástico não morrem". Por isso que o amor nunca acaba! Ele é plástico como tudo na vida!

- Não, agora posso dizer que você viajou legal...

- "It's true, is business!" É a realidade! O mundo muda, meu caro. Você tá nele e nunca parou pra perceber?

- Daqui a pouco vai querer me convencer que já existe o “love delivery”, pronta entrega do amor que você precisa em casa, na hora que bem desejar...

- Pode apostar que sim. Tenho amigas e até amigos que já agarraram muitos entregadores em domicílio. Duvida? Pergunte a eles o que acharam do ‘serviço’... [gargalhadas]

- Das duas uma, ou você tá ficando maluco ou eu é que não devo ser desse planeta!

- Péeeeeeeinnnnh! A campainha avisa que está correta a segunda alternativa! Uma salva de palmas ao ‘momento lucidez’!

- Chega de chistes por hoje! Chega de reduzir a vida nesse palanfrório!

- Não falei de vida. Cê tá enganado! Falei sobre o produto mais consumido no mundo capitalista depois da água e da cocaína: o amor!

- Vida. Amor. E quem te disse que um existe sem o outro?

- Bobagem! Quantos não sobrevivem sem amor!?

- Isso! Exatamente isso! Muitos até podem sobreviver. Viver requer muito mais que uma sobrevida existencial... Viver requer amor. Amor é vida. Vida sem amor não é vida, mas mera existência. Amebas existem. Formigas existem. Hienas existem e riem sem nem saber os porquês. Seres humanos não deveriam apenas existir...

- “Não deveriam apenas...”? E deveriam mais o quê?

- Viver. Sair de si. Pra amar é preciso sair de si, já dizia o poeta Vinícius.

- Mais uma vez com poesia! Blá blá blá... Isso não muda os conceitos, não muda o mundo!

- Mas pode mudar uma pessoa! Vamo embora! Desisto de prosseguir!

- Valei-me santos anjos! Vocês existem! Depois a gente acerta as contas!

- Desliga esse laptop! Um dia vai saber que o amor é um ‘anti-isso’ que me falou...

- Vamo então, poeta! A vida é escrita em versos e cifrões, queira entender ou não...



Ambos levantaram-se. Foram-se. Aquelas palavras ficaram ali presas naquele recinto. O eco parecia eclodir os vidros da rotunda bem no meio do saguão. Alguns ouvidos captaram. Só não se sabe quais daquelas verdades nem quais ouvidos as receberam, senão os do sonhador e os das estátuas de Hermes espalhadas pelo edifício. Antes o sonhador tivesse dormido e não conseguisse ouvir o que ouviu. Quando os olhos são abertos quase sempre é o coração que mais sente...

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