Os jovens e os adultos pouco sabem sobre simplicidade. Os jovens são aves que voam pela manhã: seus vôos são flechas em todas as direções. Seus olhos estão fascinados por 10 mil coisas. Estão sempre pronto a de novo voar. Seu mundo é o mundo da multiplicidade. Eles a amam porque, nas suas cabeças, a multiplicidade é um espaço de liberdade.
Com os adultos acontece o contrário. Para eles, a multiplicidade é um feitiço que os aprisionou, uma arapuca na qual caíram. E esta multiplicidade te mo nome de dever. Os adultos são pássaros presos nas gaiolas do dever. A cada manhã 10 mil coisas o aguardam com as suas ordens.
No crepúsculo, quando a noite se aproxima, o voo dos pássaros fica diferente. Em nada se parece com o seu voo pela manhã. As aves, ao crepúsculo são simples. Simplicidade é isso: “quando o coração busca uma coisa só”.
Na multiplicidade nos perdemos, ignoramos o nosso desejo. Movemo-nos fascinados pela sedução das 10 mil coisas. Acontece que, como diz o segundo poema do Tao-Te-Ching, “as 10 mil coisas aparecem e desaparecem sem cessar”.
O caminho da multiplicidade é um caminho sem descanso. Cada ponto de chegada é um ponto de partida. Cada reencontro é uma despedida. É um caminho onde não existe casa ou ninho. A última das tentações com que o diabo tentou o Filho de Deus foi a tentação da multiplicidade.
Mas o que a multiplicidade faz é estilhaçar o coração. O coração que persegue o “muitos” é um coração fragmentado, sem descanso. Palavras de Jesus: “De que vale ganhar o mundo inteiro e arruinar a vida?” Mateus16.26
O mundo dos saberes é um mundo de somas sem fim. É um caminho sem descanso para a alma. Não há saber diante do qual o coração possa dizer: “Cheguei, finalmente ao meu lar”. Saberes não são lar. São, na melhor das hipóteses, tijolos para se construir uma casa. Mas os tijolos, eles mesmos, nada sabem sobre a casa. Os tijolos pertencem à simplicidade. A casa pertence à simplicidade: uma única coisa.
Diz o Tao-Te-Ching: “Na busca do conhecimento a cada dia se soma uma ciosa. Na busca da sabedoria a cada dia se diminui uma coisa”.
Sabedoria é a arte de degustar. Sobre a sabedoria Nietzsche diz o seguinte: “A palavra grega que designa o sábio se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisuphus, o homem do gosto mais apurado”. A sabedoria é assim, a arte de degustar, distinguir, discernir.
O homem dos saberes diante da multiplicidade, “precipita-se sobretudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço”. Mas o sábio esta à procura das “coisas dignas de serem conhecidas”. Imagine um Buffet: sobre a mesa enorme da multiplicidade uma infinidade de pratos. O homem dos saberes, fascinado pelos pratos se atira sobre eles: quer comer tudo. O sábio, ao contrário, para e pergunta ao seu corpo: “De toda essa multiplicidade, qual é o prato que vai lhe dar prazer e alegria”? E assim, depois de meditar, escolhe um...
O Vinícius escreveu um lindo poema com o título de Resta....Já velho, tendo andado pelo mundo da multiplicidade, ele olha para trás e vê o que restou: o que valeu a pena. “Resta esse coração queimado como um círio numa catedral em ruínas...” “Resta essa vontade de chorar diante da beleza...”
As coisas que restam, sobrevivem num lugar da alma que se chama saudade. A saudade é o bolso onde a alma guarda aquilo que ela provou ou aprovou. Aprovadas foram as experiências que deram alegria. O que valeu a pena está destinado à eternidade. A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo. Oramos para que aquilo que se perdeu no passado nos seja devolvido no futuro.
Acho que Deus não se incomodaria se nós o chamássemos de Eterno Retorno: pois é só isso que pedimos dele, que as coisas da saudade retornem.
Diz Guimarães Rosa que “felicidade só em raros momentos de distração...”. Certo. Ela vem quando não se espera, em lugares que não se imagina. Dito por Jesus: “É como o vento: sopra onde quer, não sabes donde vem, nem para onde vai...”.
Sabedoria é a arte de provar e degustar a alegria quando ela vem. Mas só dominam essa arte aqueles que tem a graça da simplicidade. Porque a alegria só mora nas coisas simples.
Nenhum comentário:
Postar um comentário